O Boi na Culinária e na Gastronomia
Sua divisão açougueira
Pertence à subordem dos ruminanteae
e encontra-se, tal como os ovídeos e caprinos, na divisão dos ruminantes de
chifres ocos. Será interessante referir, que a subordem dos ruminantes é
classificada de acordo com as características dos chifres, embora inclua
animais desprovidos desses apêndices, caso dos camelos e dos lhamas.
A girafa constitue, por
si própria, dentro da subordem, o género conhecido como camelopardalos, e os gamos, que mudam de chifres anualmente, são
interessantes espécimes da ordem a que pertencem. Os antílopes, rangíferes,
touros, cabras e ovelhas, sendo todos eles, animais de chifres ocos,
encontram-se na mesma classe zoológica, embora sejam diferentes uns dos outros.
O gado vacum europeu,
enquadra-se num grupo distinto do sector dos bovidae, que inclui, entre
outros:
Os iaques,
Os gour - bisão
indiano,
Os goyal - vaca
indiana,
Os búfalos, bois
asiáticos de chifres chatos,
Os zebus, animais da
Ásia, caracterizados por uma bossa no
cachaço,
Todas as raças de
bovídeos europeus.
Portugal não é de forma
alguma um pais produtor de gado; as poucas raças nativas, entre as quais se
destacam os arouqueses, barrosões, mertolengos e mirandeses, que, com a
holandesa e a turina, produtoras de leite, são as mais destacadas, não podem,
de forma alguma, competir com as dezanove raças de bom gado vacum existentes
só nas ilhas Britânicas e, nada são, entre as 55 que Moff e Gayot nos descrevem
no seu admirável trabalho “La
Connaissance General Du Boeuf".
Países de imensas
pradarias, como a Austrália, Canadá, Argentina, Brasil e Estados Unidos,
produzem anualmente grande parte da carne consumida no mundo.
A Grã-Bretanha sempre
foi, desde remotos tempos, famosa pelas raças de gado apresentadas, o que é
bastante natural, pois o solo e o clima, demonstraram, ser bastante favoráveis
para o seu desenvolvimento. Entre as mais conhecidas destas raças, destacam-se
as shorthorns, herefords, devons, sussex, galloways, aberdeen-angus, west
highlanders e pembrokes.
Em Portugal a produção de
Bovinos de Carne é um subsetor com uma importância significativa no contexto
agroalimentar português, pois a Carne de Bovino é o terceiro tipo de carne mais
consumido pelos Portugueses (cerca de 214.000 toneladas por ano, ficando apenas
atrás da carne de suíno e de animais de capoeira. Representou em 2021 cerca de
11,3% do total de Carne produzida em Portugal (102.954 toneladas de bovino,
produzidas face à produção total de carnes de 911.360 toneladas).
O saldo da Balança
Comercial da Carne de Bovinos continua a revelar-se bastante negativo, sendo revelador
do facto de Portugal ainda se encontrar longe de ser autossuficiente na
produção deste tipo de carne.
Em termos de explorações
agrícolas nas quais existe presença de Bovinos, a análise aos últimos 20 anos
do setor, permite constatar que atualmente existe apenas um terço do total de
explorações que existia há 20 anos. Em contraponto, as explorações dos dias de
hoje detêm uma dimensão média muito superior àquela que existia há 20 anos,
quer em número de efetivo animal, quer em exploração do negócio.
A União Europeia (UE)
fechou 2021 com uma população pecuária estimada em 142 milhões de suínos, 76
milhões de bovinos, 60 milhões de ovinos e 11 milhões de caprinos, mas Portugal
continua a figurar pouco acima do meio da tabela no que toca à criação de gado
das duas principais espécies.
Dados publicados pelo Eurostat, mostram que o principal
contributo vem de Espanha, com o país vizinho a ser responsável por 24% do
total de porcos da UE, por 9% do de bovinos, por 25% do de ovinos e por 23% do
de caprinos. Segue-se França onde se criavam 9% dos suínos e 23% dos bovinos,
12% dos ovinos e dos caprinos do bloco dos 27, num pódio que se fecha com a
Alemanha.
A vaca alentejana é
criada em extensivo. Em liberdade tal como sucede com o Porco Preto,
alimenta-se do que a natureza oferece. Da sua alimentação resulta uma carne da
mais elevada qualidade comercializada através da Carnalentejana DOP,
agrupamento composto pelos criadores da raça.
No Bovino português, a
raça Barrosã é considerada a mais bela mundo entre todos os bovinos e tem
registros de sua existência pelo menos há mais de dez mil anos. Alguns autores
informam que a origem da raça é do norte da África, pois animais de características
parecidas, principalmente no tamanho e na espessura dos chifres já existiam por
lá no passado. O gado migrou para a península ibérica e a expansão da raça
aconteceu posteriormente no Planalto Barroso, norte de Portugal, local que deu
origem ao nome.
A região agrária com o
maior efetivo bovino em Portugal é a do Alentejo. No que respeita ao Entre
Douro e Minho, no ano de 2021 o efetivo bovino nela existente (255.000 cabeças)
era composto por cerca de 56,9% de bovinos de carne, 31% de vacas leiteiras e
12,1% por outras vacas.
Na atualidade, o Monte do
Pasto apresenta-se como "líder na criação de bovinos de ar livre, em
Portugal e na Península Ibérica", com capacidade para produzir por ano
cerca de 40 mil cabeças de gado (16 de jan. de 2022).
No Brasil, o
desenvolvimento da pecuária no período colonial aconteceu com o próprio
processo de colonização, quando os portugueses trouxeram as primeiras reses
para a realização da tração animal, consumo local e o transporte de cargas e
pessoas. Com o passar do tempo, o aumento dessa população bovina gerou um
problema aos plantadores de cana, pois o gado acabava ocupando um espaço que
era originalmente reservado a desenvolver a economia açucareira.
Com o passar do tempo, foi
tentada uma solução e a criação de gado passou a ocupar regiões do interior do
território que não interferissem na produção de açúcar do litoral, tendo tal
experiência, ocorrido principalmente na região Nordeste, o que fez com que os
primeiros criadores de gado adentrassem o território e rompessem com os limites
do Tratado de Tordesilhas. No século XVIII, essa experiência foi potencializada
por um decreto da Coroa Portuguesa que proibia a criação de gado em uma faixa
de terras de oitenta quilômetros, da costa até ao interior.
Seguindo o fluxo de
diferentes rios, os criadores de gado adentravam o território e,
consequentemente, expandiam involuntariamente as possessões coloniais. Ao mesmo
tempo em que favorecia o alargamento das fronteiras, a atividade pecuarista
desenvolvia relações sociais e econômicas que se distanciavam dos padrões
tradicionalmente ditados pelas plantações agroexportadoras e esclavagistas do
litoral brasileiro.
Geralmente, os
trabalhadores ligados à pecuária eram brancos, mestiços, índios e escravos
alforriados. A existência de escravos era minoritária e grande parte desses
trabalhadores – na qualidade de vaqueiros e peões – recebiam uma compensação
financeira, considerada regular, pelos seus serviços. Os vaqueiros, que
coordenavam as atividades junto ao gado e comandavam os peões, recebiam um
quarto das crias do rebanho nascidas ao longo de um período de quatro ou cinco
anos.
Por meio desse sistema,
vemos que a pecuária colonial também era marcada por interessante mobilidade
social, que permitia que os vaqueiros se tornassem donos do seu próprio
rebanho. Paralelamente, vemos que a pecuária colonial destoava das políticas
econômicas privilegiadas pela Coroa Portuguesa. Ao invés de produzir riqueza
visando à conquista do mercado externo, a pecuária desse tempo concentrava-se
no abastecimento das cidades e outros povoamentos do território brasileiro.
Através da consolidação
da economia mineradora, observamos que a pecuária passava também a atingir a
região Sul do nosso território. As condições do relevo e da vegetação desse
espaço motivaram a fundação de fazendas de gado voltadas para o abastecimento
de vários centros urbanos, formados nesse período. Além do charque, um tipo de
carne seca, os pecuaristas dessa região também lucravam com a exportação de
couro e animais de transporte.
Com a crise mineradora,
notamos que a pecuária se espalhou por outras regiões do território brasileiro,
como, Goiás, Minas e Mato Grosso. Nesse momento, a pecuária já ocupava uma
posição sólida no desenvolvimento da economia. Além de contar com características
próprias, a pecuária nos revela traços de nossa colonização que extrapolam os
limites do interesse metropolitano e da exploração voltada para as grandes
potências.
Hoje, o Brasil tem mais
cabeças de gado do que população. Como mostrou o Censo 2022, o país tem
203.062.512 de habitantes, enquanto o rebanho bovino é de 224.602.112, segundo
dados compilados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os
dados agora oficializados, permitem analisar algumas curiosidades sobre o país.
A pecuária, por ser uma atividade geralmente mais distante de grandes centros
urbanos, leva ao curioso fato de alguns estados terem quase dez vezes mais
cabeças de gado do que pessoas.
O estado de Mato Grosso
lidera o número de cabeças de bovinos, com 32,7 milhões de animais, um
crescimento de 2,3%. Em seguida vem Goiás, com 23,6 milhões de cabeças de gado,
alta de 3,5%. Pará está em terceiro lugar, com 22,3 milhões, crescimento de 6,3%.
Em quarto lugar fica Minas Gerais, com 22,2 milhões de animais.
Rondônia tem a maior
diferença entre pessoas e gado, com uma população de 1.581.016 e um rebanho
bovino de 15.110.301, uma relação de quase 9,5 vezes. O Mato Grosso vem logo em
seguida, com 2.756.700 pessoas vivendo no estado, e um total de 18.608.503 cabeças
de gado.
De todas as raças, selecionadas
para alimentação humana, as shorthorns,(chifres curtos) são sem dúvida as mais famosas; de
origem holandesa, provavelmente têm tido da parte dos criadores, através de
gerações, um carinho que lhes proporcionou tanto reputação como categoria,
inatacáveis. A qualidade da carne dos bovídeos, depende parcialmente da raça,
mas também, e bastante, da idade, sexo e modo de alimentação. A melhor carne é
sem duvida a dos novilhos ou machos castrados ate três anos de idade. A vitela
ou bezerra, pode considerar-se igualmente boa, mas a carne de vaca ou de touro
é verdadeiramente inferior.
Quanto à alimentação, a
que mais pode beneficiar a carne, é aquela baseada na erva fresca e viçosa dos
prados. A boa carne de vaca tem uma cor vermelho-vivo, laivada ou intercalada
de pequenos filamentos de gordura, muito finos e intermitentes.
O quarto traseiro de uma
rês é sempre superior ao dianteiro; cachaço, abas e pás, são carne de baixo
preço, enquanto as melhores peças se retiram da região lombar e das pernas.
Para se poder avaliar o
valor gastronómico ou culinário de uma peça de carne, deve-se conhecer a sua
colocação no corpo do animal e, bem assim, as funções que desempenha no
organismo.
A quantidade de tecidos,
nervos, gorduras ou peles, podem determinar o valor da peça, razão por que
foram criados sistemas de corte que, obedecendo a regras pré-estabelecidas e
fiscalizadas, estabelecem as regiões demarcadas para esta ou aquela categoria
de carne.
Nem todos os cortes são
iguais. No mesmo país, por vezes, esses cortes variam. É bem interessante nesse
campo, o trabalho do Prof. Doutor Ivo Cruz “DEFINIÇÃO
ANATÓMICA DAS PEÇAS DE TALHO" (Portugal), pelo que ajuda os estudiosos
ou interessados no problema.
Como esclarecimento do
que dizemos e para elucidar aqueles que nos lêem, faremos uma descrição dos
cortes normalmente utilizados em Portugal (Lisboa), França (Paris) e Inglaterra
(Londres), bem como apresentaremos o corte normalmente utilizado no Brasil.
DESCRIÇÃO
CORRENTE DAS PEÇAS DE TALHO EM PORTUGAL
CORTE OFICIAL (LISBOA)
Pá
- a) Lagarto;
b)
Chambão; c) Escápula; d) Agulha; e) Sete;
f) Cheio; g) Espelho ou Coberta.
Cachaço
Constituida por toda a
região adjacente às vertebras cervicais e englobando sete das mesmas, esta peça
subdividi-se em: a) Volta do Cachaço; b)
Noz
Acém
Compreende 12 Vértebras
Dorsais e as correspondentes Costelas, tendo, inteiro, uma forma trapezoidal.
Dele se retiram: Acém
comprido; Acém Redondo; Coberta do Acém.
Aba carregada ou Aba das costelas
É uma peça triangular,
obtida por um corte na extensão das costelas do acem, com vista a beneficiar o
mesmo, aliviando-o do excesso de osso. Situa-se entre o acém e o peito
Dela se retira a coberta
da aba carregada, única parte aproveitável.
Peito
a) maçã do peito; b)
peito alto; c) prego do peito, são as peças em que se pode seccionar esta parte
do animal.
O quarto posterior que
como já dissemos é o mais aproveitável e de maior valor gastronómico, era
outrora apresentado inteiro, nos banquetes da corte dos reis normandos, grande
senhores da velha Albion
Quarto posterior: depois
de retirada a rilada, constituida
pelos rins e gorduras aderentes, este quarto secciona-se em: aba descarregada,
rosbife, alcatra, chã de fora, pojadouro, rabadilha, chambão da perna e rabo as
quais dão a seguinte subdivisão:
Aba descarregada
a) Aba Grossa; b) Aba
Delgada.
Rosbife
Depois de desossada, esta
peça subdivide-se em duas outras, bastante conhecidas pela sua larga utilização
em Culinária:
Lombo e vazia.
No primeiro, são
vulgarmente encontradas quatro partes distintas:
Cabeça – de onde se retira o
famoso Chateaubriand.
Meio- normalmente utilizado
para os Tournedós.
Rabo
- com o qual se
confeccionam os famosos Filés Mignons.
Ponta do Rabo – de onde
se aproveitam cubos para guisados e Strogonoff.
Na Vazia, a parte que realmente se pode considerar valiosa é a superior, constituída pelo Músculo Longo Dorsal.
Alcatra
Situada na região sacra
do animal, esta peça de carne sem osso, subdivide-se em: a) ponta ou lagarto;
b) cheio; c) folha. A origem da palavra Alcatra vem do árabe Al katra e significa nesse idioma
(pedaço ou bocado).
Chã de fora
Desta peça retira-se uma
outra, bastante conhecida pelas suas possibilidades culinárias, mas que no
entanto se considera uma subsecção na divisão açougueira, o ganso redondo.
Pojadouro
Vendida sem osso, esta
peça normalmente não é seccionada. Tem porém dois músculos que, quando
separados em conjunto, se designam por Coberta
do Pojadouro.
Rabadilha
Pode, depois de
desossada, subdividir-se em: a) Coberta; b) Cheio
Chambão da perna
Constituída pelos
músculos flexores do pé e músculo peroneal, com a tíbia, esta peça não se secciona senão para
fins culinários. ela está na base dos famosos guisados ditos "osso-bucco"
Rabo
Porção caudal constituída
pelas seis primeiras vértebras da cauda, tendo anexa parte da carne pertencente
aos músculos sacro-caudais.
Para dar aos nossos
leitores possibilidades de comparação, visto que grande parte das ementas são,
por vezes, elaboradas em francês, apresentamos descrição do corte da vaca, tal
como se pratica em França.
Verificamos que a
sensibilidade gastronómica dos franceses, os levou a uma selecção mais rigorosa
das partes aproveitáveis, com maiores possibilidades culinárias.
O CORTE INGLÊS
Os ingleses, por
praticarem uma cozinha simples, quase sempre baseada em assados e grelhados, o
que não quer dizer que por vezes um guisado não apareça também, procuraram
classificar e aproveitar o corte, pelas peças com mais possibilidades de se
adaptarem a esse género de culinária.
Podemos notar assim que é
mais sobre a região dorsal e o quarto trazeiro que se detiveram as atenções dos
classificadores britânicos. O peito, aba e chambão, raramente são preparados na
cozinha inglesa. Vendidos a baixo preço, são quase sempre utilizados em sopas
ou molhos base, entrando de vez em quando num stew ou pie, os
famosos guisados e pastelões ingleses. Os pés e as tripas são vendidos para uso
industrial.
Em constraste,
verificamos que o rabo, considerado
iguaria delicada e base da famosa “ox-tail
soup”, é quase sempre vendido a preço elevado.
Como a utilização da nomenclatura inglesa, poderá ser insuficiente para alguns dos nossos leitores, vamos, dá-la em português.