domingo, 10 de setembro de 2023

 

O Boi  na Culinária e na Gastronomia


Sua divisão açougueira

 O boi, animal sagrado na Índia e em algumas das civilizações do passado, considerado e venerado pelos egípcios como a expressão mais completa da divindade, é um dos mamíferos mais úteis ao homem e um dos luxos de alimentação que as gerações presentes ainda se permitem, mas que não poderá de forma alguma ser mantido no futuro, quando a Terra se encontrar superpopulada e houver problemas de nutrição.

Pertence à subordem dos ruminanteae e encontra-se, tal como os ovídeos e caprinos, na divisão dos ruminantes de chifres ocos. Será interessante referir, que a subordem dos ruminantes é classificada de acordo com as características dos chifres, embora inclua animais desprovidos desses apêndices, caso dos camelos e dos lhamas.

A girafa constitue, por si própria, dentro da subordem, o género conhecido como camelopardalos, e os gamos, que mudam de chifres anualmente, são interessantes espécimes da ordem a que pertencem. Os antílopes, rangíferes, touros, cabras e ovelhas, sendo todos eles, animais de chifres ocos, encontram-se na mesma classe zoológica, embora sejam diferentes uns dos outros.

O gado vacum europeu, enquadra-se num grupo distinto do sector dos bovidae,  que inclui, entre outros:

 Os bisões ou bisontes - boi selvagem dos Estados Unidos,

Os iaques,

Os gour - bisão indiano,

Os goyal - vaca indiana,

Os búfalos, bois asiáticos de chifres chatos,

Os zebus, animais da Ásia, caracterizados por  uma bossa no cachaço,

Todas as raças de bovídeos europeus.

 As sete raças acima apresentadas não são a totalidade existente, mas servem para demonstrar, como os bovídeos têm uma posição predominante no reino animal em relação a outras espécies.

Portugal não é de forma alguma um pais produtor de gado; as poucas raças nativas, entre as quais se destacam os arouqueses, barrosões, mertolengos e mirandeses, que, com a holandesa e a turina, produtoras de leite, são as mais destacadas, não podem, de forma alguma, competir com as dezanove raças de bom gado vacum existentes só nas ilhas Britânicas e, nada são, entre as 55 que Moff e Gayot nos descrevem no seu admirável trabalho “La Connaissance General  Du Boeuf".

Países de imensas pradarias, como a Austrália, Canadá, Argentina, Brasil e Estados Unidos, produzem anualmente grande parte da carne consumida no mundo.

A Grã-Bretanha sempre foi, desde remotos tempos, famosa pelas raças de gado apresentadas, o que é bastante natural, pois o solo e o clima, demonstraram, ser bastante favoráveis para o seu desenvolvimento. Entre as mais conhecidas destas raças, destacam-se as shorthorns, herefords, devons, sussex, galloways, aberdeen-angus, west highlanders e pembrokes.

Em Portugal a produção de Bovinos de Carne é um subsetor com uma importância significativa no contexto agroalimentar português, pois a Carne de Bovino é o terceiro tipo de carne mais consumido pelos Portugueses (cerca de 214.000 toneladas por ano, ficando apenas atrás da carne de suíno e de animais de capoeira. Representou em 2021 cerca de 11,3% do total de Carne produzida em Portugal (102.954 toneladas de bovino, produzidas face à produção total de carnes de 911.360 toneladas).

O saldo da Balança Comercial da Carne de Bovinos continua a revelar-se bastante negativo, sendo revelador do facto de Portugal ainda se encontrar longe de ser autossuficiente na produção deste tipo de carne.

Em termos de explorações agrícolas nas quais existe presença de Bovinos, a análise aos últimos 20 anos do setor, permite constatar que atualmente existe apenas um terço do total de explorações que existia há 20 anos. Em contraponto, as explorações dos dias de hoje detêm uma dimensão média muito superior àquela que existia há 20 anos, quer em número de efetivo animal, quer em exploração do negócio.

A União Europeia (UE) fechou 2021 com uma população pecuária estimada em 142 milhões de suínos, 76 milhões de bovinos, 60 milhões de ovinos e 11 milhões de caprinos, mas Portugal continua a figurar pouco acima do meio da tabela no que toca à criação de gado das duas principais espécies.

Dados publicados  pelo Eurostat, mostram que o principal contributo vem de Espanha, com o país vizinho a ser responsável por 24% do total de porcos da UE, por 9% do de bovinos, por 25% do de ovinos e por 23% do de caprinos. Segue-se França onde se criavam 9% dos suínos e 23% dos bovinos, 12% dos ovinos e dos caprinos do bloco dos 27, num pódio que se fecha com a Alemanha.

A vaca alentejana é criada em extensivo. Em liberdade tal como sucede com o Porco Preto, alimenta-se do que a natureza oferece. Da sua alimentação resulta uma carne da mais elevada qualidade comercializada através da Carnalentejana DOP, agrupamento composto pelos criadores da raça.

No Bovino português, a raça Barrosã é considerada a mais bela mundo entre todos os bovinos e tem registros de sua existência pelo menos há mais de dez mil anos. Alguns autores informam que a origem da raça é do norte da África, pois animais de características parecidas, principalmente no tamanho e na espessura dos chifres já existiam por lá no passado. O gado migrou para a península ibérica e a expansão da raça aconteceu posteriormente no Planalto Barroso, norte de Portugal, local que deu origem ao nome.

A região agrária com o maior efetivo bovino em Portugal é a do Alentejo. No que respeita ao Entre Douro e Minho, no ano de 2021 o efetivo bovino nela existente (255.000 cabeças) era composto por cerca de 56,9% de bovinos de carne, 31% de vacas leiteiras e 12,1% por outras vacas.

Na atualidade, o Monte do Pasto apresenta-se como "líder na criação de bovinos de ar livre, em Portugal e na Península Ibérica", com capacidade para produzir por ano cerca de 40 mil cabeças de gado (16 de jan. de 2022).

No Brasil, o desenvolvimento da pecuária no período colonial aconteceu com o próprio processo de colonização, quando os portugueses trouxeram as primeiras reses para a realização da tração animal, consumo local e o transporte de cargas e pessoas. Com o passar do tempo, o aumento dessa população bovina gerou um problema aos plantadores de cana, pois o gado acabava ocupando um espaço que era originalmente reservado a desenvolver a economia açucareira.

Com o passar do tempo, foi tentada uma solução e a criação de gado passou a ocupar regiões do interior do território que não interferissem na produção de açúcar do litoral, tendo tal experiência, ocorrido principalmente na região Nordeste, o que fez com que os primeiros criadores de gado adentrassem o território e rompessem com os limites do Tratado de Tordesilhas. No século XVIII, essa experiência foi potencializada por um decreto da Coroa Portuguesa que proibia a criação de gado em uma faixa de terras de oitenta quilômetros, da costa até ao interior.

Seguindo o fluxo de diferentes rios, os criadores de gado adentravam o território e, consequentemente, expandiam involuntariamente as possessões coloniais. Ao mesmo tempo em que favorecia o alargamento das fronteiras, a atividade pecuarista desenvolvia relações sociais e econômicas que se distanciavam dos padrões tradicionalmente ditados pelas plantações agroexportadoras e esclavagistas do litoral brasileiro.

Geralmente, os trabalhadores ligados à pecuária eram brancos, mestiços, índios e escravos alforriados. A existência de escravos era minoritária e grande parte desses trabalhadores – na qualidade de vaqueiros e peões – recebiam uma compensação financeira, considerada regular, pelos seus serviços. Os vaqueiros, que coordenavam as atividades junto ao gado e comandavam os peões, recebiam um quarto das crias do rebanho nascidas ao longo de um período de quatro ou cinco anos.

Por meio desse sistema, vemos que a pecuária colonial também era marcada por interessante mobilidade social, que permitia que os vaqueiros se tornassem donos do seu próprio rebanho. Paralelamente, vemos que a pecuária colonial destoava das políticas econômicas privilegiadas pela Coroa Portuguesa. Ao invés de produzir riqueza visando à conquista do mercado externo, a pecuária desse tempo concentrava-se no abastecimento das cidades e outros povoamentos do território brasileiro.

Através da consolidação da economia mineradora, observamos que a pecuária passava também a atingir a região Sul do nosso território. As condições do relevo e da vegetação desse espaço motivaram a fundação de fazendas de gado voltadas para o abastecimento de vários centros urbanos, formados nesse período. Além do charque, um tipo de carne seca, os pecuaristas dessa região também lucravam com a exportação de couro e animais de transporte.

Com a crise mineradora, notamos que a pecuária se espalhou por outras regiões do território brasileiro, como, Goiás, Minas e Mato Grosso. Nesse momento, a pecuária já ocupava uma posição sólida no desenvolvimento da economia. Além de contar com características próprias, a pecuária nos revela traços de nossa colonização que extrapolam os limites do interesse metropolitano e da exploração voltada para as grandes potências.

Hoje, o Brasil tem mais cabeças de gado do que população. Como mostrou o Censo 2022, o país tem 203.062.512 de habitantes, enquanto o rebanho bovino é de 224.602.112, segundo dados compilados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados agora oficializados, permitem analisar algumas curiosidades sobre o país. A pecuária, por ser uma atividade geralmente mais distante de grandes centros urbanos, leva ao curioso fato de alguns estados terem quase dez vezes mais cabeças de gado do que pessoas.

O estado de Mato Grosso lidera o número de cabeças de bovinos, com 32,7 milhões de animais, um crescimento de 2,3%. Em seguida vem Goiás, com 23,6 milhões de cabeças de gado, alta de 3,5%. Pará está em terceiro lugar, com 22,3 milhões, crescimento de 6,3%. Em quarto lugar fica Minas Gerais, com 22,2 milhões de animais.

Rondônia tem a maior diferença entre pessoas e gado, com uma população de 1.581.016 e um rebanho bovino de 15.110.301, uma relação de quase 9,5 vezes. O Mato Grosso vem logo em seguida, com 2.756.700 pessoas vivendo no estado, e um total de 18.608.503 cabeças de gado.

De todas as raças, selecionadas para alimentação humana, as shorthorns,(chifres curtos) são sem dúvida as mais famosas; de origem holandesa, provavelmente têm tido da parte dos criadores, através de gerações, um carinho que lhes proporcionou tanto reputação como categoria, inatacáveis. A qualidade da carne dos bovídeos, depende parcialmente da raça, mas também, e bastante, da idade, sexo e modo de alimentação. A melhor carne é sem duvida a dos novilhos ou machos castrados ate três anos de idade. A vitela ou bezerra, pode considerar-se igualmente boa, mas a carne de vaca ou de touro é verdadeiramente inferior.

Quanto à alimentação, a que mais pode beneficiar a carne, é aquela baseada na erva fresca e viçosa dos prados. A boa carne de vaca tem uma cor vermelho-vivo, laivada ou intercalada de pequenos filamentos de gordura, muito finos e intermitentes.

O quarto traseiro de uma rês é sempre superior ao dianteiro; cachaço, abas e pás, são carne de baixo preço, enquanto as melhores peças se retiram da região lombar e das pernas.

Para se poder avaliar o valor gastronómico ou culinário de uma peça de carne, deve-se conhecer a sua colocação no corpo do animal e, bem assim, as funções que desempenha no organismo.

A quantidade de tecidos, nervos, gorduras ou peles, podem determinar o valor da peça, razão por que foram criados sistemas de corte que, obedecendo a regras pré-estabelecidas e fiscalizadas, estabelecem as regiões demarcadas para esta ou aquela categoria de carne.

Nem todos os cortes são iguais. No mesmo país, por vezes, esses cortes variam. É bem interessante nesse campo, o trabalho do Prof. Doutor Ivo Cruz “DEFINIÇÃO ANATÓMICA DAS PEÇAS DE TALHO" (Portugal), pelo que ajuda os estudiosos ou interessados no problema.

Como esclarecimento do que dizemos e para elucidar aqueles que nos lêem, faremos uma descrição dos cortes normalmente utilizados em Portugal (Lisboa), França (Paris) e Inglaterra (Londres), bem como apresentaremos o corte normalmente utilizado no Brasil.

 

DESCRIÇÃO CORRENTE DAS PEÇAS DE TALHO EM PORTUGAL



A VACA - CORTE  BRASILEIRO PARA CONSUMO

 



CORTE OFICIAL (LISBOA)

 

 


 - a) Lagarto; b) Chambão; c) Escápula;  d) Agulha; e) Sete; f) Cheio; g) Espelho ou Coberta.

Cachaço

Constituida por toda a região adjacente às vertebras cervicais e englobando sete das mesmas, esta peça subdividi-se em: a) Volta do Cachaço;  b) Noz

Acém

Compreende 12 Vértebras Dorsais e as correspondentes Costelas, tendo, inteiro, uma forma trapezoidal.

Dele se retiram: Acém comprido; Acém Redondo; Coberta do Acém.

Aba carregada ou Aba das costelas

É uma peça triangular, obtida por um corte na extensão das costelas do acem, com vista a beneficiar o mesmo, aliviando-o do excesso de osso. Situa-se entre o acém e o peito

Dela se retira a coberta da aba carregada, única parte aproveitável.

Peito 

a) maçã do peito; b) peito alto; c) prego do peito, são as peças em que se pode seccionar esta parte do animal.

O quarto posterior que como já dissemos é o mais aproveitável e de maior valor gastronómico, era outrora apresentado inteiro, nos banquetes da corte dos reis normandos, grande senhores da velha Albion

 

Quarto posterior: depois de retirada a rilada, constituida pelos rins e gorduras aderentes, este quarto secciona-se em: aba descarregada, rosbife, alcatra, chã de fora, pojadouro, rabadilha, chambão da perna e rabo as quais dão a seguinte subdivisão:

Aba descarregada

a) Aba Grossa; b) Aba Delgada.

Rosbife

Depois de desossada, esta peça subdivide-se em duas outras, bastante conhecidas pela sua larga utilização em Culinária:

Lombo e vazia.

No primeiro, são vulgarmente encontradas quatro partes distintas:

Cabeça – de onde se retira o famoso Chateaubriand.

Meio- normalmente utilizado para os Tournedós.

Rabo - com o qual se confeccionam os famosos Filés Mignons.

Ponta do Rabo – de onde se aproveitam cubos para guisados e Strogonoff.


Na Vazia, a parte que realmente se pode considerar valiosa é a superior, constituída pelo Músculo Longo Dorsal.

Alcatra

Situada na região sacra do animal, esta peça de carne sem osso, subdivide-se em: a) ponta ou lagarto; b) cheio; c) folha. A origem da palavra Alcatra vem do árabe Al katra e significa nesse idioma (pedaço ou bocado).

Chã de fora

Desta peça retira-se uma outra, bastante conhecida pelas suas possibilidades culinárias, mas que no entanto se considera uma subsecção na divisão açougueira, o ganso redondo.

Pojadouro

Vendida sem osso, esta peça normalmente não é seccionada. Tem porém dois músculos que, quando separados em conjunto, se designam por Coberta do Pojadouro.

Rabadilha

Pode, depois de desossada, subdividir-se em: a) Coberta; b) Cheio

Chambão da perna

Constituída pelos músculos flexores do pé e músculo peroneal, com a  tíbia, esta peça não se secciona senão para fins culinários. ela está na base dos famosos guisados ditos "osso-bucco"

Rabo

Porção caudal constituída pelas seis primeiras vértebras da cauda, tendo anexa parte da carne pertencente aos músculos sacro-caudais.

 

O CORTE FRANCÊS

Para dar aos nossos leitores possibilidades de comparação, visto que grande parte das ementas são, por vezes, elaboradas em francês, apresentamos descrição do corte da vaca, tal como se pratica em França.

Verificamos que a sensibilidade gastronómica dos franceses, os levou a uma selecção mais rigorosa das partes aproveitáveis, com maiores possibilidades culinárias.

 

O CORTE INGLÊS

Os ingleses, por praticarem uma cozinha simples, quase sempre baseada em assados e grelhados, o que não quer dizer que por vezes um guisado não apareça também, procuraram classificar e aproveitar o corte, pelas peças com mais possibilidades de se adaptarem a esse género de culinária.

Podemos notar assim que é mais sobre a região dorsal e o quarto trazeiro que se detiveram as atenções dos classificadores britânicos. O peito, aba e chambão, raramente são preparados na cozinha inglesa. Vendidos a baixo preço, são quase sempre utilizados em sopas ou molhos base, entrando de vez em quando num stew ou pie, os famosos guisados e pastelões ingleses. Os pés e as tripas são vendidos para uso industrial.

Em constraste, verificamos que o rabo, considerado iguaria delicada e base da famosa “ox-tail soup”, é quase sempre vendido a preço elevado.

 

Como a  utilização da nomenclatura inglesa, poderá ser insuficiente para alguns dos nossos leitores, vamos, dá-la em português.

 




 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 


 

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