Restauração
e Pesquisa Criativa
A indústria de restaurantes é notória por ser competitiva, arriscada e
de baixa margem e isso não é menos verdade para os restaurantes sofisticados
mais aclamados do mundo. Apesar de poderem cobrar centenas de dólares por uma
refeição e estar lotados com meses de antecedência, os melhores restaurantes
muitas vezes ainda têm dificuldade em obter lucro. E eles enfrentam um desafio
ainda maior: manter uma consistência impecável, ao mesmo tempo em que são
inovadores e de ponta.
Embora cozinhar seja visto como criativo, cozinhar com criatividade é
principalmente evitar repetição constante, num ambiente altamente controlado e
hierárquico dos restaurantes do topo, onde as temperaturas de cozimento são
controladas sistematicamente a 0,1°C, e a maioria das receitas é especificada
com até 40 etapas para um único componente num prato. Cada cozinheiro é
altamente treinado e recrutado seletivamente, mas ele ou ela só terá a tarefa
de produzir alguns componentes e praticará isso centenas de vezes sob
supervisão direta antes de atingir o nível necessário de habilidade. As
preparações, produzidas por pequenas equipes ou cozinheiros individuais, são
montadas progressivamente, com “sous-chefs” controlando a qualidade em cada
etapa. Antes dos pratos finais serem servidos, o chefe de cozinha prova
pessoalmente uma amostra de cada lote, mantendo o controle sobre todos os
aspectos da preparação.
No entanto, esse tipo de repetição rigorosa parece impedir a inovação –
limitando as oportunidades de aprender com os erros, prototipar rapidamente ou
buscar novas ideias.
É claro que consistência e criatividade não são mutuamente exclusivas.
Um punhado de restaurantes extraordinários conseguiu atingir os padrões
perfeitos e conseguiu alavancar a aclamação para alcançar o crescimento. Na
minha busca permanente, estudando e consultando empresas inovadoras, descobri
que esse equilíbrio é melhor alcançado por meio de tempo e espaço dedicados
para pesquisa e experimentação, bem como um processo completo para iteração e
padronização de novas invenções.
Verifiquei que na sua operação, muitos restaurantes em vez de se
concentrar na redução de custos, prazo de validade ou replicabilidade, eles se
concentram no processo criativo e no cliente, melhorando a experiência deste.
Os projetos vão desde o desenvolvimento de novas técnicas e ingredientes até à
concepção de pratos e produtos finais. Alguns estabelecimentos chegaram a fazer
parcerias com universidades para realizar projetos de pesquisa e explorar temas
tão variados quanto percepção sensorial, sustentabilidade, teoria narrativa e
nostalgia.
Um prato popular por exemplo, nasceu da colaboração entre o restaurante
e um laboratório de psicologia experimental em Oxford chamado The Crossmodal
Research Laboratory.
Embora esses esforços sejam caros, os laboratórios forneceram capacitação
para vários projetos que geraram receita e ajudaram a atrair uma ampla
comunidade de colaboradores que levaram a inúmeras inovações.
Mas embora um laboratório dedicado expanda a capacidade de P&D (pesquisa
e desenvolvimento) de um restaurante, a inovação, também importante, deve ser
incorporada ao DNA da organização. Restaurantes sofisticados que não podem
pagar uma equipe e espaço exclusivamente dedicados à P&D ainda fazem da
inovação um valor fundamental ao lado da consistência. Independentemente de
terem ou não um laboratório associado, todos os primeiros lugares na lista
Michelin e na 50 Best, implementam processos para incentivar a criatividade e o
aprendizado, além da liderança ou da equipe de produção, bem como processos
para gerar, priorizar, refinar e padronizar ideias.
Um prato conceitual é desenvolvido a cada mês por um dos cozinheiros do
restaurante para que toda a equipe deguste, enquanto um restaurante italiano
realiza frequentes brainstorms e sessões de feedback com o chefe de cozinha e a
equipe geral da cozinha, na busca de novas ideias. Essa cultura coletiva de
criatividade multiplica o conjunto de ideias e ameniza a resistência à adoção
de novos produtos e processos. E, depois que as ideias são coletadas, os
restaurantes as selecionam e as priorizam para o desenvolvimento.
Vejamos como isso acontece. Primeiro, a liderança da empresa concorda
com o conceito central de cada uma de suas unidades de negócios (os
restaurantes e outras linhas comerciais). Em seguida, uma equipe – geralmente
composta pelo CEO, o chefe de cozinha da empresa, o chefe de P&D e o chefe
da unidade – gera uma série de ideias soltas que podem se tornar produtos ou características
da experiência de cada cliente. Essas ideias são então divididas e atribuídas à
equipe de P&D, aos chefs do restaurante para prototipagem e testes, e no
caso de eletroeletrônicos (utensílios de cozinha), em conjunto com o P&D do
parceiro de negócios e o P&D interno.
Isso não é estritamente de cima para baixo. Os membros da equipe de
P&D também exploram projetos de pesquisa de acordo com “áreas de interesse”
soltas, recebendo ocasionalmente ajuda de outros funcionários. Os líderes da
empresa sabem quais são essas áreas de interesse, mas só avançam projetos
específicos se os resultados forem promissores. Embora muitos projetos não
cheguem a um cliente final, eles são cuidadosamente registrados em um banco de
dados pesquisável que é frequentemente usado para melhorar e acelerar projetos.
Todos os projetos seguem um processo de desenvolvimento específico,
alternando entre ideação coletiva ou feedback e trabalho focado por uma pequena
equipe. Para pratos de restaurante, a equipe de desenvolvimento irá rapidamente
prototipar e iterar através de várias versões do prato e seus componentes, no
laboratório ou, se este não estiver disponível, na cozinha principal durante as
horas de menor movimento. Os testes podem durar meses, pois inúmeras variações
são testadas em uma corrida para incluir ingredientes sazonais.
Quando os resultados começam a se aproximar de um produto acabado, a
equipe buscará contribuições de chefs seniores e juniores, bem como dos sommeliers,
garçons e outros funcionários. Após alguns ciclos de melhoria, a equipe do
projeto entregará as receitas aos cozinheiros de linha para preparar. Nesta
fase, o objetivo não é entregar uma receita pronta e verificar a capacidade de
cozimento da linha, para produzi-la. O objetivo é apenas testar as instruções
escritas da receita. Tanto o cozinheiro de linha quanto a equipe de
desenvolvimento provam o resultado e, quando problemas são detectados,
trabalham juntos para melhorar a receita até que os resultados sejam
confiáveis, consistentes e saborosos.
O chefe de cozinha supervisiona cada projeto desde os estágios iniciais
e decide quando servir uma primeira degustação aos clientes regulares para
obter mais feedback. Esse processo reduz conflitos culturais entre
departamentos, melhora a qualidade dos resultados e preenche a lacuna entre uma
ideia bruta e a produção consistente de um produto acabado em escala.
Os restaurantes mais aclamados incorporam criatividade e aprendizado na
sua organização, criando espaços e processos para contribuições coletivas e desenvolvimento
focado. Eles mostram que uma cultura de precisão e atenção aos detalhes pode
coexistir com a constante reinvenção e que, ao alavancar essa competência essencial para
alcançar rankings de prestígio, parcerias e associados, também conseguem gerar
crescimento dos negócios.
No Brasil já conhecemos, como restaurantes de pesquisa produtiva, embora não usem a pesquisa de produção tal como descrevemos acima, mas obtendo resultados através dos esforços individuais:
Coin, (Esquina) do Amaral Lopes em Curitiba
Anu Cozinha, em São Paulo
Soeta Restaurante, Praia do Canto em Vitória -ES
Haverá outros, com certeza, aos quais pedimos desculpa pela não
inclusão, mas o nosso tempo e idade não nos permitem deslocações nem grandes
viagens.
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