segunda-feira, 28 de março de 2022

 


Restauração e Pesquisa Criativa

 

A indústria de restaurantes é notória por ser competitiva, arriscada e de baixa margem e isso não é menos verdade para os restaurantes sofisticados mais aclamados do mundo. Apesar de poderem cobrar centenas de dólares por uma refeição e estar lotados com meses de antecedência, os melhores restaurantes muitas vezes ainda têm dificuldade em obter lucro. E eles enfrentam um desafio ainda maior: manter uma consistência impecável, ao mesmo tempo em que são inovadores e de ponta.

Embora cozinhar seja visto como criativo, cozinhar com criatividade é principalmente evitar repetição constante, num ambiente altamente controlado e hierárquico dos restaurantes do topo, onde as temperaturas de cozimento são controladas sistematicamente a 0,1°C, e a maioria das receitas é especificada com até 40 etapas para um único componente num prato. Cada cozinheiro é altamente treinado e recrutado seletivamente, mas ele ou ela só terá a tarefa de produzir alguns componentes e praticará isso centenas de vezes sob supervisão direta antes de atingir o nível necessário de habilidade. As preparações, produzidas por pequenas equipes ou cozinheiros individuais, são montadas progressivamente, com “sous-chefs” controlando a qualidade em cada etapa. Antes dos pratos finais serem servidos, o chefe de cozinha prova pessoalmente uma amostra de cada lote, mantendo o controle sobre todos os aspectos da preparação.

No entanto, esse tipo de repetição rigorosa parece impedir a inovação – limitando as oportunidades de aprender com os erros, prototipar rapidamente ou buscar novas ideias.

É claro que consistência e criatividade não são mutuamente exclusivas. Um punhado de restaurantes extraordinários conseguiu atingir os padrões perfeitos e conseguiu alavancar a aclamação para alcançar o crescimento. Na minha busca permanente, estudando e consultando empresas inovadoras, descobri que esse equilíbrio é melhor alcançado por meio de tempo e espaço dedicados para pesquisa e experimentação, bem como um processo completo para iteração e padronização de novas invenções.

Verifiquei que na sua operação, muitos restaurantes em vez de se concentrar na redução de custos, prazo de validade ou replicabilidade, eles se concentram no processo criativo e no cliente, melhorando a experiência deste. Os projetos vão desde o desenvolvimento de novas técnicas e ingredientes até à concepção de pratos e produtos finais. Alguns estabelecimentos chegaram a fazer parcerias com universidades para realizar projetos de pesquisa e explorar temas tão variados quanto percepção sensorial, sustentabilidade, teoria narrativa e nostalgia.

Um prato popular por exemplo, nasceu da colaboração entre o restaurante e um laboratório de psicologia experimental em Oxford chamado The Crossmodal Research Laboratory.

Embora esses esforços sejam caros, os laboratórios forneceram capacitação para vários projetos que geraram receita e ajudaram a atrair uma ampla comunidade de colaboradores que levaram a inúmeras inovações.

Mas embora um laboratório dedicado expanda a capacidade de P&D (pesquisa e desenvolvimento) de um restaurante, a inovação, também importante, deve ser incorporada ao DNA da organização. Restaurantes sofisticados que não podem pagar uma equipe e espaço exclusivamente dedicados à P&D ainda fazem da inovação um valor fundamental ao lado da consistência. Independentemente de terem ou não um laboratório associado, todos os primeiros lugares na lista Michelin e na 50 Best, implementam processos para incentivar a criatividade e o aprendizado, além da liderança ou da equipe de produção, bem como processos para gerar, priorizar, refinar e padronizar ideias.

 

Um prato conceitual é desenvolvido a cada mês por um dos cozinheiros do restaurante para que toda a equipe deguste, enquanto um restaurante italiano realiza frequentes brainstorms e sessões de feedback com o chefe de cozinha e a equipe geral da cozinha, na busca de novas ideias. Essa cultura coletiva de criatividade multiplica o conjunto de ideias e ameniza a resistência à adoção de novos produtos e processos. E, depois que as ideias são coletadas, os restaurantes as selecionam e as priorizam para o desenvolvimento.

Vejamos como isso acontece. Primeiro, a liderança da empresa concorda com o conceito central de cada uma de suas unidades de negócios (os restaurantes e outras linhas comerciais). Em seguida, uma equipe – geralmente composta pelo CEO, o chefe de cozinha da empresa, o chefe de P&D e o chefe da unidade – gera uma série de ideias soltas que podem se tornar produtos ou características da experiência de cada cliente. Essas ideias são então divididas e atribuídas à equipe de P&D, aos chefs do restaurante para prototipagem e testes, e no caso de eletroeletrônicos (utensílios de cozinha), em conjunto com o P&D do parceiro de negócios e o P&D interno.

Isso não é estritamente de cima para baixo. Os membros da equipe de P&D também exploram projetos de pesquisa de acordo com “áreas de interesse” soltas, recebendo ocasionalmente ajuda de outros funcionários. Os líderes da empresa sabem quais são essas áreas de interesse, mas só avançam projetos específicos se os resultados forem promissores. Embora muitos projetos não cheguem a um cliente final, eles são cuidadosamente registrados em um banco de dados pesquisável que é frequentemente usado para melhorar e acelerar projetos.

Todos os projetos seguem um processo de desenvolvimento específico, alternando entre ideação coletiva ou feedback e trabalho focado por uma pequena equipe. Para pratos de restaurante, a equipe de desenvolvimento irá rapidamente prototipar e iterar através de várias versões do prato e seus componentes, no laboratório ou, se este não estiver disponível, na cozinha principal durante as horas de menor movimento. Os testes podem durar meses, pois inúmeras variações são testadas em uma corrida para incluir ingredientes sazonais.

Quando os resultados começam a se aproximar de um produto acabado, a equipe buscará contribuições de chefs seniores e juniores, bem como dos sommeliers, garçons e outros funcionários. Após alguns ciclos de melhoria, a equipe do projeto entregará as receitas aos cozinheiros de linha para preparar. Nesta fase, o objetivo não é entregar uma receita pronta e verificar a capacidade de cozimento da linha, para produzi-la. O objetivo é apenas testar as instruções escritas da receita. Tanto o cozinheiro de linha quanto a equipe de desenvolvimento provam o resultado e, quando problemas são detectados, trabalham juntos para melhorar a receita até que os resultados sejam confiáveis, consistentes e saborosos.

O chefe de cozinha supervisiona cada projeto desde os estágios iniciais e decide quando servir uma primeira degustação aos clientes regulares para obter mais feedback. Esse processo reduz conflitos culturais entre departamentos, melhora a qualidade dos resultados e preenche a lacuna entre uma ideia bruta e a produção consistente de um produto acabado em escala.

Os restaurantes mais aclamados incorporam criatividade e aprendizado na sua organização, criando espaços e processos para contribuições coletivas e desenvolvimento focado. Eles mostram que uma cultura de precisão e atenção aos detalhes pode coexistir com a constante reinvenção e que,  ao alavancar essa competência essencial para alcançar rankings de prestígio, parcerias e associados, também conseguem gerar crescimento dos negócios.

No Brasil já conhecemos, como restaurantes de pesquisa produtiva, embora  não usem a pesquisa de produção tal como descrevemos acima, mas obtendo resultados através dos  esforços individuais:

Coin, (Esquina) do Amaral Lopes em Curitiba

Anu Cozinha, em São Paulo

Soeta Restaurante, Praia do Canto em Vitória -ES

 

Haverá outros, com certeza, aos quais pedimos desculpa pela não inclusão, mas o nosso tempo e idade não nos permitem deslocações nem grandes viagens.





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