O ESCANÇÃO E O SERVIÇO DE VINHOS
“Escanção” é o vocábulo adoptado
para designar o responsável pelo serviço de vinhos e ele corresponde ao até
aqui designado, “chefe de vinhos” em Portugal e “sommelier”, no Brasil.
É a retoma de uma palavra portuguesa,
quase posta de parte, em boa hora integrada ao vocabulário hoteleiro, onde tão
necessária se torna a nacionalização.
Por nos parecer, bem actual,
transcrevemos aqui o que dissemos no nosso livro “Manual de Restaurante e Bar”
sobre este profissional. Parece-nos que, pelo facto de em certos momentos do
seu trabalho usar de conhecimentos análogos aos do barman, será de muito
interesse consultar os conselhos que damos a este, no Capítulo “O Bar e o
Barman”, sobretudo no que diz respeito, aos cuidados a ter com o corpo e com o
vestuário.
ESCANÇÃO,
CHEFE DE VINHOS (SOMMELIER)
Auxiliar e substituto dos chefes
de mesa, o “escanção” necessita, para o bom desempenho das suas funções, de
todos os conhecimentos do barman e dos empregados de mesa, aliados a um grande
poder de insinuação, necessário a um bom
vendedor.
Sabendo-se que o lucro das
refeições é sempre diminuto, é dos vinhos, licores e coquetéis que se espera
obter o necessário rédito para ajudar a manutenção do estabelecimento.
Uma vez tomado conhecimento do
cardápio escolhido pelo cliente, o escanção deve dirigir-se-lhe sempre como se
estivesse tratando com um gourmet, sugerindo o vinho que, supõe, irá
melhor com os pratos seleccionados. Se o cliente o é de facto, apreciará a
maneira como o estão a servir; se não o é, sentir-se-á lisonjeado por ser
tomado como tal, sendo o resultado desse sentimento, na maior parte das vezes,
a venda de uma garrafa de vinho que não estava prevista. Com esse gesto
simples, de rotina, serão atingidos dois objectivos de capital importância para
qualquer restaurante: satisfação do cliente e aumento de receita.
O escanção deve, pois, estar
sempre presente, sugerindo e servindo sem precisar ser chamado.
O serviço de vinhos mal feito
(copos vazios, vinho servido fora de tempo ou a temperatura inadequada, etc.)
indispõe o cliente pela falta de atenção que revela, levando a referências
pouco lisonjeiras sobre o serviço em geral, do que muitas vezes os restantes
empregados não têm culpa.
Deve haver da sua parte uma
fiscalização constante e uma observância estritade tudo o que lhe diz respeito,
pois o vinho tem numa refeição um papel muito mais importante do que simples
auxiliar da deglutição.
O SERVIÇO
DE VINHOS
Desde longo tempo se considerou
necessário que uma diferente qualidade de vinho acompanhasse cada prato, tendo
em conta a sua composição. Para isso, estabeleceu-se a seguinte ordem:
Vinhos do Porto, Madeira, Jerez, etc.
Acepipes, com -
Vinhos de mesa brancos, secos, verdes ou maduros.
Muito raramente um vinho generoso.
Consommés - Vinho
generoso seco.
Sopa -
Geralmente não se serve vinho com
a sopa, excepção feita para sopas de peixe ou de marisco, que exigem um
branco seco.
Mariscos ou Peixes:
Cozidos – Vinho de mesa branco adamado,
(doce).
Gratinados ou Assados – Um vinho verde ou maduro (seco).
Caldeiradas ou idênticos – Um
vinho tinto não muito carregado (verde ou maduro)
Entradas -
Vinhos de mesa tintos ou palhetes,
verdes ou maduros.
Assados ou
Caça -
Vinho de mesa tinto (velho se possível). De preferência espumante natural, seco ou bruto.
Queijos - Vinho de mesa tinto, velho; Porto ou
Madeira.
Doces - Vinhos espumantes, generosos ou licorosos
(meio doce ou doce).
Frutas -
Normalmente, a fruta já tem, por si, acidez que lhe baste para o paladar.
Salvo casos especiais de frutas
como o ananás, morangos, etc., em que um vinho licoroso vai bem, não acho que
se devam servir vinhos com as frutas.
Aliás, estas são já um complemento ou transição para o serviço seguinte, o dos
cafés e
licores.
licores.
O vinho espumante (ou o champagne)
é o único que se pode servir com todos os pratos, do início ao fim de uma
refeição, excepção feita para o queijo.
Para este, o vinho tinto, um bom
tinto velho, é ainda o ideal, apesar de se citarem os licorosos para esse
efeito.
O vinho sabe melhor quando
servido em copos finos. Do mesmo modo, os vinhos velhos, os vinhos com
categoria reconhecida e os de sobremesa, devem ser sempre servidos na garrafa
de origem, tal como estiverem na cave. Para esse efeito, existem cestos
especiais, onde as garrafas são colocadas com cuidado; nada de movimentos
desnecessários, nada de safanões ou golpes. Só em casos muito especiais, de
vinhos com demasiado pé, ou por outra razão forte, se deve proceder a decantação.
A mudança dos vinhos, para
frascos de cristal, chamados “decanters”, muito generalizada até há
pouco é, um erro, pois faz o vinho perder grande parte de seu aroma, do seu
espírito e da sua qualidade. O verdadeiro sucesso do vinho está na sua vetustez,
não no envólucro que o apresenta.
TEMPERATURA
DOS VINHOS
Para que os vinhos possam dar ao
paladar o prazer desejado por aqueles que os tratarem desveladamente, deve
haver o máximo cuidado na última parte dessa longa peregrinação iniciada nas
dornas.
Nisso, a temperatura dos vinhos
desempenha papel principal. Assim, os vinhos tintos maduros, os generosos,
licorosos e as aguardentes servem-se à temperatura ambiente. Os vinhos de mesa
brancos, rosés, palhetes ou tintos verdes, servem-se ligeiramente frios. Os
vinhos de mesa doces e os espumantes naturais, servem-se gelados.
O gelo nunca deve, seja sob que
pretexto for, ser adicionado ao vinho; fazemos evidentemente ressalva, para os
casos de preparação de cups, puch ou misturas similares, para os quais se devem
escolher vinhos menos nobres embora bons.
A maneira mais fácil de levantar
um pouco a temperatura dos vinhos é colocá-los numa estufa, ou envolver as
garrafas num pano com água quente.
ABERTURA
DE UMA GARRAFA DE VINHO DE MESA
Para abrir uma garrafa de vinho,
deve-se começar por cortar a cápsula de estanho, junto à parte inferior da
saliência que todas as garrafas têm perto da boca. Com um guardanapo lavado,
limpa-se a sujidade que normalmente se encontra entre a cápsula e a rolha.
Insere-se o saca-rolhas na
cortiça, bem ao centro. Faz-se com que o saca-rolhas, através de voltas
sucessivas, entre tão fundo quanto seja possível. Procura-se sacar a rolha de
um só golpe, com confiança e elegância. Nada de gestos nervosos nem sacolejos à
garrafa, os quais agitam desnecessariamente o vinho.
No caso de vinhos velhos,
sacolejar é estragar completamente a bebida, pois o pé assente no fundo
mistura-se ao líquido.
Depois de retirar a rolha,
limpa-se bem o gargalo e coloca-se a garrafa na mão com o rótulo para fora.
Ao servir, mostrase o rótulo ao
cliente. Nunca se deve enrolar a garrafa em guardanapos no momento de servir.
Noutros tempos, o escanção anunciava, em voz alta, o vinho que estava a servir.
Se isso for julgado necessário, pode ser feito.
ABERTURA
DE UMA GARRAFA DE CHAMPAGNE
Se a garrafa é apresentada num
balde, deve estar na posição vertical, com gelo bem apertado em toda a volta. É
até conveniente cobrir o topo com gelo picado.
Retira-se a garrafa do gelo e
envolve-se num guardanapo, para evitar que escorregue na mão. É bom ter em
conta que a pressão numa garrafa de champagne anda à volta de 8 atmosferas.
Quando se retira a garrafa do gelo, o vidro, que é grosso, está
contraído pelo frio. O contacto
da mão quente pode, perfeitamente, originar expansão do vidro no ponto de
apoio. Nestas condições, a garrafa pode rebentar.
Ainda que as possibilidades de
isto acontecer sejam remotas, é bom ter conhecimento destes factos, para nunca
se ser apanhado desprevenido.
Depois de retirar a cápsula,
segurar a garrafa firmemente num ângulo aproximado de 180o (posição
dos ponteiros de um relógio ao marcar 10 horas e 25 minutos) e desapertar os
arames que seguram a rolha. Mantendo o ângulo da garrafa, sacar a rolha
lentamente, tendo o cuidado de a segurar para não atingir qualquer dos convivas
ou colegas de serviço. Depois de sacar a rolha, manter o ângulo da garrafa por
aproximadamente 5 segundos, tempo necessário para que a pressão se normalize
com a do exterior.
Se a garrafa estiver direita no
momento de tirar a rolha, o gás sairá em turbilhão, arrastando consigo uma boa
parte do vinho e, em vez de uma bebida, teremos conseguido um banho de champagne.
Limpar a boca da garrafa com um
guardanapo limpo. O vinho está pronto para servir.
O champagne deve ser servido com
dois movimentos.
Primeiro, deitar vinho no copo
até que a espuma atinja o bordo deste, sem o deixar transbordar.
Deixar a espuma desaparecer e,
então, servir a bebida até 2/3 do volume total
do copo.
Ter o cuidado de não servir muito
rapidamente, pois nesse caso o vinho transbordará mesmo.
COMO
SERVIR VINHOS
Vários cuidados devem ser
observados quando se faz o serviço de vinhos.
Daremos a seguir, uma pequena
lista de conselhos ao escanção, sobre este serviço:
-
Os vinhos devem ser trazidos para junto da mesa do
cliente, antes de serem necessários, dando a este a possibilidade de os ver. Os
que devem ser servidos gelados, serão mantidos em baldes com gelo.
O anfitrião pode provar os vinhos, mas o
escanção também pode fazer esse serviço, rectificando se necessário.
-
O serviço de vinhos deve ser sempre feito com a mão
direita e pelo lado direito do conviva.
-
Para servir aperitivos ou digestivos, as garrafas devem
ser trazidas para a mesa e as bebidas, servidas à vista do cliente.
-
Os copos, de vinhos, de aperitivos ou de licores, nunca
devem ser cheios até ao bordo.
O copo de vinho só deve ser cheio até
metade, para as senhoras, e até 2/3, para os homens.
-
O cesto foi criado para os vinhos velhos, com o
objectivo de manter a garrafa deitada, tal como sai da garrafeira, para que o
pé se não misture ao vinho.
Não adianta usar o cesto, se não houver antes
o cuidado de não agitar a garrafa.
-
Alguns vinhos velhos com excesso de pé podem ser
decantados. O objectivo é retirar o vinho límpido da garrafa, deixando nesta o
sedimento. Vinhos decantados são servidos em recipientes de cristal.
Não devem usar-se filtros para
decantar vinhos.
Os vinhos brancos, não precisam
ser decantados, pois normalmente não têm sedimento ou pé.
A
LISTA DE VINHOS
A lista ou carta de vinhos é uma
grande ajuda para o vendedor. Deve estar claramente elaborada e ser mantida
limpa.
Os vinhos devem estar inscritos
na lista, pela sequência normal do serviço durante a refeição.
O vinho deve ser sugerido e a
lista apresentada, logo que o cliente acabou de escolher a comida.
Este é o momento psicológico para
a venda do vinho.
A lista deve ser apresentada
naturalmente, sem grande ostentação, mas com uma pequena sugestão, se for caso
disso.
O escanção deve ter o cuidado de
sugerir e servir sempre bons vinhos. Só há um caminho para quem deseje manter o
negócio florescente: servir bom.
Quando o cliente tem confiança
nos que o aconselham, aceita as suas sugestões e, por norma, um cliente
satisfeito é um cliente fiel.
Nunca se deve decepcioná-lo e
servi-lo sempre dentro das suas necessidades, é assegurar a sua constância e a
sua amizade.
Para atingir essa finalidade, o
escanção deve pensar que, na nossa época, o homem não age só em função das suas
necessidades primárias, mas que ao consumo de determinado produto alia um
conjunto de outras necessidades, entre as quais o conhecimento e a cultura. O
bom escanção, como o bom barman, deve saber conversar e, sobretudo, saber
conversar sobre o vinho. Levar ao cliente interessado algumas bases deste lado
do "savoir vivre", é fazer um adepto e, um amigo.
SABER
CONVERSAR SOBRE VINHO
Para se poder conversar sobre
vinho, deve-se, antes de tudo, saber algo sobre vinho.
Estudá-lo, prová-lo, conhecê-lo
portanto. Ao fazer-se a degustação, devem-se analisar as várias sensações que o
vinho provoca, o que exige uma certa concentração.
O resultado dessas sensaações,
deve ser arquivado na memória, para as podermos analisar e transmitir, no
momento em que desejarmos falar sobre vinho.
Por outro lado, uma conversa
exige termos convenientes ou apropriados. Vamos proporcionar alguns termos que
se podem utilizar quando se desejar conversar sobre vinho:
-
Sobre a constituição do vinho – (O seu corpo em relação
ao paladar).
Se desejamos
dizer bem, usaremos termos como: encorpado, sólido, forte ou vigoroso, de
categoria ou de qualidade, acabado (“É um vinho acabado!”), cheio, leve,
substancial, aveludado, macio, delicado, fino, apetitoso, inteiro, puro.
Para
significar que o vinho não é bom, podemos dizer, de acordo com as
circunstâncias: fraco, pobre, frouxo, pouco encorpado, aguado, pastoso, áspero,
acerbo, adstringente, desiquilibrado, pesado, carrascão, travoso, rascante.
-
Sobre a cor do vinho
Se desejamos
dizer bem: bela, clara, ambarina, brilhante, sumptuosa, cintilante, rubi ou
rubica, purpúrea.
Para dizer
mal (se for caso disso): turva, toldada, murcha, desbotada, carregada.
-
Sobre a vinosidade (ou teor alcoólico)
Para gabar o
vinho, podemos dizer que é: vivo, nervudo, generoso, forte, capitoso,
espirituoso.
Se desejamos
demonstrar desagrado, diremos: brando, fraco, frouxo, frio, vulgar, pastoso.
-
Sobre o conteúdo de açúcar
Quando
satisfaz, diz-se: seco ou doce, suave, delicado, licoroso, sedoso.
Quando é
desagradável, diz-se, buscando o termo adequado: áspero, pastoso, insípido,
adocicado.
-
Sobre o bouquet ou aroma
Quando este
agrada: perfumado, “fruité” (com sabor a fruto), fino, aromático,
oloroso.
Quando não
agrada: vulgar, sensaborão, desagradável, “bouchonné” (sabor a rolha).
-
Quando o vinho está estragado, diz-se: azedo,
avinagrado, voltado, toldado, passado.
Tentámos resumir os elementos
essenciais, permitindo ao profissional desejoso de evoluir, encontrar o mínimo
necessário à sua aprendizagem. Não tivemos a pretensão de escrever para os
mestres.
Esses encontrarão muitas lacunas
neste nosso trabalho. Um manual no entanto, não é um tratado.
Para os que se iniciam na
profissão, vai toda a nossa simpatia. Já percorremos o mesmo caminho, estando,
portanto, aptos a saber o que lhes será útil, e o que vai ao encontro dos seus
anseios.
Mais tarde, os seus conhecimentos
serão aprofundados através do recurso a outras fontes. Nessa altura, esperamos
que os seus conhecimentos possam ser transmitidos aos que lhes sucederem, com a
mesma boa vontade que nos levou, a escrever este livro.
E digamos como Bossuet: “Le vin a le pouvoir de remplir l’âme de toute
vérité, de tout savoir et philosophie”.
Traduzindo: “O vinho tem o poder
de encher a alma de toda a verdade, de todo o saber e de toda a filosofia”.
Esperamos que assim seja!...
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