sexta-feira, 28 de dezembro de 2018


O BAR E O BARMAN

Extrato do meu livro "Manual do Barman e do Escanção"

Se pretendermos fazer um histórico do serviço de bebidas remontando à Antiguidade, iremos encontrar como estabelecimento mais conhecido na prestação desse serviço, a taberna romana (que também existia na Grécia).
Na citada Ibéria, a designação foi mantida embora com modificação, mas na Inglaterra, por exemplo, esse nome evoluiu para “pub”, diminuitivo de “public house” e em França, depois da ocupação russa de Paris, o termo russo bistro (pronunciado bistrô) foi adoptado também. Bistro em russo significa “rápido”, palavra que os soldados russos usavam, para pedir que o serviço fosse imediato, pois tinham receio de ser vistos na taberna pelos seus superiores. Como os franceses não sabiam russo, passaram a aceitar bistro como uma nova definição de taberna, e a palavra ficou.
No período colonial e, mais tarde, no do desbravamento para Oeste, surgiram nos Estados Unidos, os “saloons”, misto de espectáculo, jogo, bebidas e prostituição, que perdurou por muitos anos.
Foi aliás nos Estados Unidos que a imaginação, e a criatividade, mais contribuíram para a criação de novos tipos de nomenclatura para estes serviços. É deles a designação de “bar”, tal como é conhecida, a qual analisaremos adiante.
Na Inglaterra, eram conhecidos os “private clubs” (com serviço de bebidas, mas comidas também, e acesso interdito a senhoras), onde os homens discutiam os seus assuntos pessoais, negócios e política.
Os “clubes privés”, embora o nome possa sugerir alguma ligação, nada têm a ver com aqueles, pois são apenas e, principalmente, lugares de prostituição.
O “piano-bar”, o “dancing-bar” e outras definições semelhantes, são formas de levar as clientelas a se decidirem pelo divertimento e pela bebida.
Nos hotéis, existe ainda o serviço de “self-bar”, também dito “mini-bar”, o qual permite ao cliente uma selecção de bebidas em pequenos frigoríficos nos quartos. 
Com a designação de “snack-bar”, foi desenvolvida na Europa uma modalidade de serviço que, tomando como base o que nos Estados Unidos se chama “coffee-shop” e no Brasil, “lanchonete”, evoluiu para um balcão de serviço de comidas e bebidas, eliminando as mesas.

Analisando porém a designação que verdadeiramente nos interessa aqui, verificamos que a palavra bar deriva de “barra” (bar em inglês) e designava, inicialmente, não o local onde se serviam bebidas, mas sim, o balcão desse estabelecimento. Era costume esse balcão ter uma barra a todo o seu comprimento, onde os clientes se seguravam ou encostavam. Essa barra foi adicionada ao balcão com o intuito de evitar que os clientes se debruçassem sobre este, mantendo-os de certo modo afastados.



Quando o cliente queria ir para o balcão, dizia: “vou para a barra”;(”go to the Bar”). Em Espanha, ainda hoje se utiliza esta forma de identificar o balcão do bar.
O tempo e o hábito foram validando esta designação, a qual, por extensão, se aplica hoje aos estabelecimentos que servem bebidas. Nos Estados Unidos, porém, é frequente, sobretudo nos hotéis, chamar-se “cocktail-lounge” ao que entre nós se convencionou chamar “bar” (diminuitivo ou encurtamento de “american bar”).
Neste último tipo de estabelecimentos, os hotéis, podemos ainda encontrar outro género de bar, o “banquet bar”, espécie de copa preparada para o serviço de bebidas, funcionando anexa ao Salão de Banquetes.
Dali saem as bebidas para aperitivo, quando há serviço de banquete e todas as outras, quando se trate de “cocktail parties”.

Instalação de um Bar


Como para todos os outros departamentos de indústria hoteleira, não há regras imutáveis para a instalação de um bar.
Ao fazê-lo, deve-se porém ter em conta todos os factores que podem influenciar o funcionamento futuro e as maiores ou menores facilidades que para o serviço possam vir das decisões tomadas. A eficiência do barman ou dos barmen será sempre influenciada pelas facilidades que lhes forem concedidas na instalação do seu sector de trabalho.
Um bar trabalha à base de frio. Logo, um bom balcão frigorífico é necessário. Amplo, com a maior capacidade possível. Uma máquina de cubos de gelo é também indispensável. Uma boa copa. Armários para arrumação de copos, garrafas e outros utensílios. Um bar-americano não deve vender cerveja a copo (na nossa opinião) mas, em certos casos, tal prática pode ser necessária. Deve ter-se o cuidado de não ocupar lugar dentro do balcão com todo o equipamento de refrigeração. Além de fazer calor, ocupa espaço que é necessário para as próprias garrafas. Os compressores podem ser instalados em qualquer outro lugar. Pessoalmente, somos contra o lava-mãos no balcão do bar. O lava-mãos, ou lava-louça, pode ser implantado na copa, bem como a máquina de sumos, a máquina de café, a batedeira eléctrica (se houver) e todos os outros aparelhos semelhantes.
Se possível, o balcão do bar deve ter uma entrada e uma saída. Entrada, junto à copa, onde os empregados que fazem o serviço de mesa podem deixar o material sujo. Saída, junto à máquina registadora ou PDV (POS).
A máquina registadora deve estar bem visível. Tal prática coloca o cliente e o barman à vontade. O lucro de um bar depende da forma como for analisada a sua instalação. Do sentido prático e económico, tanto do serviço como da decoração, iluminação e implantação. Esta última deverá se analisada em relação ao local do edifício, se está englobada numa unidade hotel, ou em relação ao ponto da cidade (se é um estabelecimento independente). No caso de hotel, será sempre uma boa medida conseguir uma saída directa para a rua se tal for possível.
Quase sempre um bar representa um investimento razoável. É imperativo proteger esse investimento mantendo uma boa qualidade de serviço e de bebidas à altura da decoração e do capital gasto. Esta última parte é função do barman.
O sucesso de um estabelecimento deste tipo depende tanto de quem o monta como de quem o orienta.




EQUIPAMENTO DE UM BAR



A quantidade e a qualidade do equipamento de um bar, serão determinadas, respectivamente, pelo movimento de clientela e pela categoria do estabelecimento.
Assim, vamos apenas enumerar as peças em si, como ajuda à memória dos profissionais:


   1o. – Com que bater coquetéis                        Coqueteleira
   2o. – Com que mexer coquetéis                      Copo de cristal
   3º. - Algo com que passar a bebida                Passador
   4º. – Recipientes para gelo                             Balde grande para o balcão
                                                                                   Baldes pequenos para levar às mesas
   5º - Com que segurar o gelo                           Pinças de gelo
   6º - Com que servir as bebidas                       Copos (falaremos deles mais adiante)
   7º - Algo onde pousar os copos na mesa        Pequenas rodelas de pano ou papel
                                                                               (nunca nada metálico).
  8º. - Acessórios diversos (para o serviço)
- espremedor de sumos manual.
-   facas de dois ou três tamanhos
-   saca-rolhas e abre-latas
-   quebra-gelo
-   passador de sumos
-   pá para absinto
-   colheres para coquetel e long drinks
-   bandejas para apresentar contas
-   bandejas para o serviço
  9.º - cinzeiros para o balcão e para as mesas
10º - saleiros, pimenteiros, moedor de noz moscada.
         11º.- acessórios pessoais do barman 
·  isqueiro, corta unhas, informação detalhada  sobre a cidade, suas ligações aéreas e outras, lista telefónica, jornais diários, corta- charutos.

E tudo o mais que o barman entenda necessário, pois não queremos de forma alguma tornar definitivo o que aqui dizemos.




O BARMAN


O barman perfeito não existe. Se existisse, teria de reunir uma tão grande quantidade de conhecimentos e qualidades que nos apetece mencionar aqui o dito gracioso de certo cómico de Hollywood quando lhe perguntaram como seria a mulher perfeita, o qual afirmou: “Ela teria que ter as pernas da Marlene Dietrich, o corpo da Marilyn Monroe, o rosto da Maria Montez com os cabelos da Betty Gable”.
Assim, o barman ideal, deveria ser um misto de dândi na apresentação; gentleman e diplomata no trato; bem informado na conversação; psicólogo nos contactos, comerciante avaro ou esbanjador, sabendo dosear ambas; paciente como um santo e trabalhador como um judeu, aliando a tudo isto uma vasta cultura.
Não esperamos que o leitor pretenda candidatar-se a “barman perfeito”, mas aconselhamos que procure reunir o mais possível dos predicados acima expostos, com a certeza de que, no momento oportuno, lhe serão úteis.
O trabalho do barman requer predisposição. O serviço deve ser feito com calma e dignidade, criando uma atmosfera de bom gosto e em certos casos, de snobismo.
O trabalho do barman requer atenção e bom repouso. Deve procurar descansar bem e dormir o suficiente. O seu sorriso é a sua melhor arma e um dos melhores argumentos de venda. Deve cuidar dos seus dentes e do seu hálito. A sua apresentação torná-lo-á repulsivo ou atraente para o cliente, que aceitará ou não com prazer, a sua companhia e a sua conversação.
Deve pois:

-   Pentear-se bem e lavar bem o cabelo. Nada de perfumes exagerados que sobressaiam num ambiente fechado, como é o do bar.
-   Vestuário impecável, sem manchas de sujidade ou de transpiração. Roupa interior mudada com frequência.
-   Nunca usar camisas de cor, a menos que façam parte do uniforme.
-   Não usar jóias, quando em serviço. Apenas a aliança, se for casado.
-   Ter cuidado com os pés e o calçado. Pés doloridos não dão um bom sorriso ao barman. Meias mal lavadas não dão bom sorriso ao cliente. Deve mudar meias e sapatos (se puder), ao menos duas vezes por dia. Sapatos com muita utilização desenvolvem um cheiro a couro que aumenta com a transpiração. Esse cheiro passa quando os sapatos arejam. Dois pares de sapatos de serviço são aconselháveis se o barman transpira dos pés.
-   O barman não deve fumar quando em serviço.

Esta peça deve ser de fácil limpeza, pois devido à sua função pode sujar-se facilmente. Quanto à cor, o branco ou o creme são a meu ver a cor ideal. Não há a menor dúvida que o casaco é ainda o melhor. O barman deve ter dignidade e elegância, por isso, a jaqueta não é de aconselhar.
O casaco jaquetão parece-nos o mais indicado. O casaco aberto tem tendência a deixar ver o cinto, a camisa e por vezes apresenta-nos um barman muito desajeitado. Calças pretas e gravata, parecem-nos perfeitos. Sapato preto, de verniz, se possível.
O uniforme deve ser usado impecável. Limpo, engomado e escovado.







O SERVIÇO DE BAR


O principal serviço num bar é o da preparação (ou mise-en-place), que geralmente é feito de manhã, antes da abertura. É esta preparação que vai permitir, pelo dia fora, durante as horas de movimento, encontrar no seu lugar o necessário, no momento exacto. A primeira coisa a fazer é, sem dúvida, cumprir o horário. O tempo utilizado durante a “preparação” jamais é excessivo e, quando esta é feita às pressas pode comprometer tudo.
A limpeza do bar deve estar impecável; dentro do balcão, nos frigoríficos e no salão dos clientes. O bom barman deve fiscalizar os sanitários que servem o “seu” bar, pois serão utilizados pelos “seus” clientes. A limpeza dos sanitários “diz tudo” sobre a higiene de um estabelecimento.
A temperatura (ar condicionado ou aquecimento central), deve ser verificada, bem como inspeccionado o funcionamento da aparelhagem de controlo. É o conforto que faz vir a clientela (além das boas bebidas e das atenções do barman).
A carga (quantidade das várias bebidas) deve ser reposta com requisições feitas à cave ou à despensa. Tudo o que for entregue à secção deve ser minuciosamente conferido. O bom barman não deve ter receio do controlo. Deve ele próprio, controlar a sua secção. As quantidades de gelo existentes devem ser verificadas. Todo o equipamento de trabalho deve ser bem limpo e inspeccionado.
Os aperitivos de bar devem se preparados e inspeccionados. Os vulgares salgadinhos, pastelinhos de carne, bolachas de queijo, etc. devem ser mantidos frescos.

O bom barman deve ter sempre em mente que, sendo responsável por um departamento de grande impacto social, que cria, na maior parte das vezes, se não sempre, a imagem do estabelecimento, os seus modos, gestos e atenções reflectem-se nas vendas e estas, determinam a política da direcção[1] em relação ao futuro.
Sem pretender torná-las em “Decálogo” do barman, vamos enumerar as regras que julgamos pertinentes:


Acreditamos que estes dez pontos são os que mais podem interessar o barman estudioso, com interesse em se valorizar. A simpática classe dos barmen, por outro lado, deve analisar osconselhos que a nossa experiência nos sugere como “conselhos aos gerentes” em relação ao barman.

Conselhos aos Gerentes de Bar

1.     Seleccione bem o barman que pretende admitir.
2.     Entregue-lhe o bar em plena confiança, exigindo-lhe rendimento e bom trabalho.
3.     Se não tem confiança no seu barman, não o mantenha ao serviço.
4.     Se quer ter um barman em quem possa confiar, pague-lhe justo, de acordo com o que lhe é exigido. Um barman que faz bom negócio merece um bom salário.
5.     Demonstre ao barman que tem interesse por ele e que o seu serviço lhe agrada. Todos precisam de estímulo para ter bom rendimento.
6.     O controlo do bar não deve ser feito às escondidas. O barman deve conhecer as bases em que trabalha e o que se espera dele, bem como as médias a atingir e o tipo de controlo existente.
7.     Ouça as sugestões do seu barman. Ás vezes ele conhece melhor os clientes que o gerente do bar. E para sermos grandes também temos que, de vez em quando, ouvir os pequenos.
8.     Não faça regras muito rígidas para o bar. O barman tem que, por vezes, fazer excepção às regras para satisfazer os clientes.
9.     Se entender que deve treinar os seus próprios barmen, faça-o. Não se esqueça, porém, que não pode olhar para eles sempre como aprendizes. No momento em que seleccionar o melhor e lhe der a responsabilidade de barman-chefe, deve tratá-lo como tal.
10. Procure estabelecer os seus preços, de acordo com o rendimento que pretende do bar. Não pode exigir ao barman que seja honesto, se lhe exige rendimento acima do que lhe é possível dar.




[1] O hábito de trabalhar em Hotéis leva-me a usar sempre o título de director quando se trata do responsável por uma unidade mas, como este livro se destina aos barmen, e eles podem sê-lo também de estabelecimentos independentes, o grau de gerente ou outro, pode e deve aqui ser aplicado.

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